Freitag, November 12

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Um amigo é quase um segredo que, apresentado a outros, cria laços e vida própria. Sinto ciúmes quando as coisas saem do meu controle.

Samstag, Oktober 16

Tentativas de escrita fracassadas

Tentativa 1:

Por entre seus peitos abertos, prostrou-se em meio cacos de vida esparramados no chão. Descobriu algumas daquelas preocupações patológicas nos rastros enlamaçados que via de si própria , terra-barro vermelha subindo por sobre os dedos contaminando a pele lentamente. O movimento pertencia à ele.

Tentativa 2:

Desfez o salto dado no ar há pouco. Desceu no cume dessa montanha de tez baixa, fraca, quase murmurando água e pressentimentos. Afundou-se na voz que vinha, longe, quase de fiapos. E de fiapos compôs-se para voltar à casa. Sentia os pés novamente limpos, a roupa novamente lavada e a postura de novamente rumar ao conhecido. Queria da duração do instante a eternidade, seja ela qualquer sujeira que fosse. Só desejava existir plena e sabia da falácia desse discurso vendido facilmente nas esquinas dessa sua antiga morada.

Tentativa 3:

Hoje, pensou, formularei discursos coerentes, encadeados de forma que reclamações não invadam-me assim, supetão. Poderei falar-lhes desses vazios que constroem as nossas moradas, dessas camadas quase-nada entre nós e nós mesmos. Estava eu deitada e assaltada fui de visões dentro de visões

Tentativa 4:

Construí para mim mesma uma casca forte de argumentos, proteções,


Tentativa 5:

Ao sair de casa esqueceu-se dos cartões de convite da sua última festa na mesa. Talvez fosse o último encontro com a maioria de seus amigos e estava ali, por sempre sabotar-se. Pensou voltar para buscar mas assaltou-lhe a certeza de que os encontraria novamente, dentro breve, e assim poderia-lhes entrega-los. Pensou em convidá-los por e-mail, mas os convites já estavam todos impressos com o melhor papel, a melhor diagramação, a melhor letra, o melhor resultado. O correio demoraria e não teria tempo de ir em suas casas para lhes entregar.


Tentativa 6:

Deslizou os dedos no papel virgem pendurado na parede e percebeu risco de fora a fora. Fechou os olhos e continuou por riscar o papel, quase intuitivamente, minimizando seu controle. O risco oscilava de espessura, de comprimento, sentido, formando



Assim.

Eu viveria assim, de canto, observando o encontro de cada passo com o chão que o suporta. Vigiaria teias de aranha formando-se nos tetos, quinas, e talvez as alimentaria com água e pedaços de solidão. Eu supostamente faria de minha existência um ínfimo acontecimento, e vigiaria o silêncio com o rigor de um eremita que há quarenta anos observa jejum, areia, deserto. Construiria um nicho num barranco qualquer e ficaria por cantarolar pássaros, aldeias de outrora e formigas por picar meus dedos, lembrando-me condição de vida. Abrigaria os meus transeuntes, os meus egoísmos, derrotas, e talvez para as vitórias cedesse um cantinho sujo de consciência e deveres. Recolheria restos de folha podre, largadas ao vento para que minhas faltas - palavras, sentido, olhar, outros, imagens das possibilidades perdidas, das lembranças que ainda persistem no tempo coubessem nos meios, intermédios desses espaços recém-projetados. Arduamente prepararia um fosso enorme para minhas paralisias, leros-leros, inconstâncias, machucadozinhos, besteirinhas, sintomas. Resolveria assim a questão: sem discussões, problematizações. Recuso-me a viver assim, demasiada entregue à algo, prefiro o estar dentro sem nem tanto pensar, apenas a cabeça baixa e coisas oscilando entre dentro e fora, dentro e fora, dentro e fora.

Freitag, September 17

Sentia o ar denso e monstrinhos a habitar corpo, pesados como bolas de aço presas aos pés. Estava por descobrir seus lugares-incomuns. Estava não, descobriu o momento-seguinte, a marcação dos dedos no inferno que era não conseguir fazer-se entender por ouvidos e olhos dos outros.

Dienstag, August 31

Talvez naquela hora derradeira eu finalmente acreditei que os pressentimentos pré-morte vinham numa alada sensação corpórea, tato, cheiro, do daquela presença a circundar a sala vazia ao lado e logo após tal qual fumaça embriagar os ambientes todos. Sim, porque outro dia fui visitada - e nem me lembro antecedentes - por aquela dos nossos receios desconhecidos, e senti a presença na superfície, o seu toque acordando minhas células, exigindo instintos de sobrevivência, ser arisco, ser lugar-nenhum. Deu-se assim o estopim: deitada estava, pensamentos longe, descomprometidos e num momento abrupto sinto um toque no meu rosto, carícia de quem admira - na hora entendi que tratava-se da morte, não de foice, enegrecida, mas apenas uma passante-visitante. Fiquei quieta, esperando o que talvez tivesse a dizer. Porém, da mesma maneira que veio, foi-se. Acariciou-me inteira, toque aveludado, quente. Senti vontade de entregar-me àquilo, de ser levada à sua revelia, rodopiando aquela nova maneira de ver outros lados, outros olhares do mesmo. Viver madura, viver o tempo, vinculos desfeitos, andar pés no barro do divino.

Dienstag, August 17

O cheiro daquela terra flutuante persistia por adentrar poros. Eu somente queria adensar-me em mim e ficar restos de dias instalada nos naqueles nichos de madeira podre, barrancos, vermelhidões. Sentia cada passo como queda marcada, como pé latejante desejoso percorrer encontrar sentidos. Estar à beira de corpo também exigia sacrifícios tolos e muitas apegações. Então vi-me não mais circular habitando-me centro mas sim pequenina borda irregular e varões folhas o pensar escasso - o ritmo compassado de decisão assim, de pressa, de quem não mais pertence àquela vida, a essa vida de agora, comprimida, necessitada de tantos outros aléns, tantas carências por desvenciliar, tantos erros por reparar sem lamúrias ou reclamações - apenas sei-me menos por cada calcanhar tocado a terra, cada sopro dado à tempestade, cada engasgo do meu falso, do meu fio de navalha a sustentar existência chula, indiferente. De querer ventar-me e ser barroca nos pontos de encontros, sinuosidades, dobras,

Dienstag, August 3

E dos dedos fracos quase nada pressão no papel na tela teclado que se faz pesado e é preciso concentração vontade e engolir o choro compulsivo para parcas palavras grudadas. E se a discussão se faz sempre essa e não me faço mais e circulo incessantemente até ao desgaste aos dedos ralados no asfalto é porque burra me faço

Donnerstag, Juli 8

Existia uma menina que protegia-se do contato externo pelo medo da dor de enfrentar seus monstros. E lá estava ela: posição confortável, retraída num canto de casa, quieta, solene. Derepente surgiram bufões euforia e um reconhecimento - tão forte que a fez levantar e caminhar até ele. Mesmo ressabiada e sabendo dos riscos pos-se a caminho; perto dele - do reconhecimento - as coisas pareciam compartilháveis, menos estranhas - eram os mesmos olhares e escuta, e estava tão feliz por aquele par de perto, de presença. Mas mal o tocou e ele esfacelou-se todo, como miragem no deserto, como areia movediça, como depois do primeiro toque com a água. Ela fez-se triste, encostou a cabeça e chorou um pouco sua burrice mesmo sabendo passo importante dado. Resolveu não mais confiar em tais coisas parecidas e fechar-se novamente, mas ainda teme a sua reação se novamente encontrar reconhecimentos raros por aí. Não saberia como agir, onde colocar as culpas da vida morna que leva.

Montag, Juni 21

depois.

Sentada na noite de uma dor que nunca passa, eu fito o para-além-de: sinto o engasgo do minuto seguinte, o desespero do corpo caído e do não-lugar desse corpo no mundo conhecido. Doa-se à mim o estranhamento e derepente nem sei o que fazer com os vultos acumulados e o não-institucionalizado, o não-experimentado. Sinto que foi irresponsável essa última vez mas agora o estrago já foi feito,  e disso nem tenho certezas agora. E minhas malas estão feitas, os papéis meticulosamente organizados e os livros na bolsa porém ainda há compromissos, obrigações matando-me aos poucos - ainda morro nas próximas duas semanas. E se desfaleço, caio dentro desse buraco velho conhecido antes adormecido agora revivido, é porque dentro de mim criei começo, náusea, verdade, peso, carne esfolada ao sangue, dependência de uma vida sã devidamente adequada devidamente enquadrada aos entendimentos desses aí - os que se dizem. E se permito-me falar aos meus é por uma causa, necessidade pulsante sem outra maneira de ser. Tempo demais já se passou e permanci muda e calada ao sol, ao vento, chuva e tempestades passageiras mas contínuas, bocas que abrem e fecham mas nada falam a não ser da superfície dos dias e de como é delicado, solene tratar desses assusntos, oh por deus! livrai-me dos atoleimados mergulhados na própria ignorância. Novamente, se falo é porque ao menos toquei no meu ouro-velho e fugi - não tive ainda coragem de enfrentá-lo cara limpa. E digo aqui o momento da queda, imediatamente anterior ao da fuga. Rostos e gentes e entes de todas as espécies encarando-me e eu tendo de enfrentá-los por não haver escape. Forte tive de fazer-me, mesmo envolta na fraqueza de abrir os olhos, desviando-os, assim, do de dentro. E sobreposições e medos e quedas e covardias e desgostos e assassinatos em potencial e mortes em potencial e a sua própria morte num segundo só vieram e dispersaram no momento seguinte. E descobri não saber viver esses momentos, ser distraída e relapsa - tanto falar mas nem da superfície ser capaz de sair. E aos poucos fui saindo mesmo sabendo não ter vivido aquilo até o esgotamento - e quem sabe viver no esgotamento não seja um pulo à loucura? Sei de quase nada, muito pouco, mas o que sinto agora é um profundo desfacelamento e necessidade de construção, rever os alicerces. E compreendo agora quando falam uns poucos sobre ser visitado pelo estranho e de lá nunca retornar - o quão perigoso é esse toque que dei. E compreendo o desmoronamento que fizeste do seu quarto-estética para seu quarto-verdade, aonde as coisas podem ter razão de; acontecem. Conheço dois que se valeram disso. Do mais próximo agora compreendo a dor, compartilhando-a. Abrir uma fresta e querer permanecer o mesmo é pedido de morte. Morte de cruz, anti-sabedoria do mundo, revés do nascimento é acolher o que me destroi para poder transformar. E se nem sei o que me faz menos é porque ainda há muito inconsciente mas estranha força surgiu em meio a esse processo e me disse: você tem que ir lá e virar a chave. E sinto agora que posso ir lá e virar a chave, porque carrego um segredo de experiência, de toque do meu ouro. Antes de edificar, desconstruir o resto, quase não ser. Essa é a tarefa.

Montag, Juni 14

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De mim ontem, lembro-me do cansaço de estar aprisionada a um corpo que não me pertencia e a uma lógica que não permitia-me ser; o outro lado apresentou-se de forma drástica e real e por pouco lá não fiquei. A vivência da ausência de sentido agora por mim foi vivida.
De lá levo a experiência calcada no corpo e não mais construída nos mundos idealizados das frases-de-efeito e dos conselhos de teoria: lucidez e loucura andam juntas.
É muito fácil estalar os dedos e puf! desaparecer. Minha grande luta é com a vida.

Dienstag, Juni 1

Para Louise, com amor.


"Meu nome é Louise Josephine Bourgeois. Nasci em 24 de dezembro de 1911, em Paris. Toda a minha obra dos últimos cinquenta anos, todos os meus temas, foram inspirados em minha infância."






"Em nossa recusa a enfrentar o medo, recuamos para a nostalgia. O medo nos condena à rejeição do presente. O presente se mantém intolerável. Devemos pedir ajuda ao passado para solucionar os problemas do presente."


Montag, Mai 24

Para que a alma não desfaleça

Acordei por cutucões fortes no joelho. Abri os olhos aflita e vi um monstrinho indo embora, entre risadas e deboches. Instantes e ainda não acreditava muito no ocorrido. Uma espécie de arrepio subiu-me espinha pescoço nuca medo de estar dentro de algo na qual nem sei o nome, possuída por entes e vozes que luto para transpor.
Assim, de pronto povoada estava de dúvidas e sofreguidão quando abafei um grito dilacerante d'alma - e entenda-me, tal grito era-me importante, constituía nascimento e responsabilidade d'uma dor recém surgida, pulsante; abafá-la por receio de olhares adversos, julgamentos não pertencentes a mim só fez-me ser mais um pouco assassina de mim mesma: morte lenta não desejosa. 
E talvez devesse desculpar-me pelos enferrujos, misérias, atos e omissões; pela falta de forma e o modo que são construídas as relações e ausências. Talvez tudo deva feder um pouco, mas me é necessário esse movimento: tirar as carcaças devagar, cuidando para que a carne não desfaleça, atenta à alma presa ao corte reto, dando-lhe precisão. Jogar oxigênio à ferida, fazendo-a borbulhar e arder como pimenta e sal aos olhos. 

Vizinho de ferida.



"A vida de um homem é o instante onde o mundo, em vão, se ilumina. A pedra, a lua e o rosto do outro não seriam comemorados e celebrados se o breve trânsito de nossa aparição não contasse com a língua e com a palavra. Também os gestos ou a dança e a pintura igualmente celebram, mas é na palavra das línguas que o mundo deixa de ser mudo e pode tocar a aparição. Se o homem deixar de existir e apenas o lagarto ou outro animal grunhir para a lua, então ela será menos lua e algum deus criador que acaso persista em sua incansável persistência terá de reconhecer que sua “obra” não é mais devidamente celebrada e ele, junto de seu imenso narcisismo trabalhista, teria de se suicidar. Celebrar é estar exposto e atingido pelas coisas a ponto de, ao dizê-las, guardar-lhes a vibração, comemorá-las. Estar atingido também pela proximidade do rosto do outro é enxergá-lo a partir do aberto, não sendo o aberto mais do que o lugar de uma aparição intrinsecamente frágil, de uma aparição-desaparição. Mas o homem não gosta de estar exposto; ele é alérgico ao lugar. E, enquanto alérgico, converteu-se num animal blindado e, quando alguém aponta para o céu (como um personagem de Bernhard) e diz: “veja, ali está aberto, vejam, está aberto; a palavra a-ber-to está redigida no firmamento”, então, já não se percebe o que isso quer dizer, pois o homem blindado gosta de viver no fechado e de medir a palmo. O homem blindado expulsou a hospedagem: não está aberto à visitação dos afetos ou da palavra."

Juliano Pessanha, vale a pena.

Dienstag, April 27

Última carta de Virgínia Woolf à Leonard Woolf

"Querido,







Tenho certeza de que estou enlouquecendo de novo.
Sinto que não podemos passar por outra daquelas
terríveis fases. E desta vez não ficarei curada.
Começo a ouvir vozes, e não posso me concentrar.
Assim, estou fazendo o que me parece melhor.
Você me deu a maior felicidade possível. Não creio
que duas pessoas pudessem ser mais felizes até
chegar esta doença terrível. Não consigo mais lutar.
Sei que estou estragando a sua vida e que sem
mim você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Está
vendo, nem consigo mais escrever adequadamente.
Não consigo ler. O que quero dizer é que devo a você
toda a felicidade da minha vida. Você foi absolutamente
paciente comigo e incrivelmente bom. Quero dizer isso —
e todo mundo sabe. Se alguém pudesse me salvar, teria
sido você. Perdi tudo, menos a certeza da sua bondade.
Não posso mais continuar estragando sua vida. Não creio
que duas pessoas tenham sido mais felizes do que nós fomos."






Virginia Woolf

Samstag, April 24

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Sim, ontem elas tornaram-se fortes. Um amontoado de vozes, todas bem corridas, justapostas, gritando, berrando absurdos irreconhecíveis. No fim exclamaram: 'tudo bem', então saí do transe e percebi que estava luzes acesas sozinha. Por enquanto perturbadoras não são, percebo multidão de almas vazias tantas faces abafadas de mim, o gozo sufocado e poderia realmente convencê-las a vir ao lado de cá, mostrarem-se minhas. Minha convicção de vida não é tão certeira quanto à de vocês, até porque pele, face, osso, espinha dorsal caixa torácica coração envolto por estimulantes remédios e um pouco de desprezo é morte letal, veneno letárgico e prefiro estar além pairando por entre esses ruídos gritantes os meus medos os meus habitares monstros, as minhas agonias as minhas exatidões dúvidas pergunto ao velho: 'como posso não estar em beiras frestas liminaridades e ser inteira sem parecer-me esdrúxula, sem cansar-me de minha voz e palavras desgarradas escritas? Sinto que morro um pouco ao fim de cada risada, ao fim de cada acontecimento absurdo indecente inesperado e percebo agora que não são os outros, mas eu própria a geradora de meus infernos'. A certeza de saber minha responsabilidade o câncer gestado nas minhas entranhas a minha - sim, minha propriedade - dor calcada na recusa da carne nojo do que me forma - as minhas formas. E esse não se faz problema maior - já o foi -, mas a saudade de ser dessas questões constituídos os meus terrores e saber-me superfície larga e rasa. Sinto minha dor agora dentro de um rio e o corpo submerso e preciso de força para o pé no chão para que correntezas fortes não façam do meu ar alimento faltante. Viveria só com os gastos e restos, estaria armada das velhas experiências e sabedorias e sei, estaria aberta ao afogamento, mas na menor e menos drástica das formas. Agora temo estar caindo, folhas e galhos resvalam no meu corpo, escapam às mãos. 
Sinto sua bondade, mas suas perversões me são mais caras.

Dienstag, April 20

"Agora vou embrulhar minha angústia dentro do meu lenço. Vou amassá-la numa bola apertada. Vou levar minha angústia e depositá-la nas raízes sob as faias. Vou examiná-la, pegá-la entre meus dedos."
Virginia Woolf.


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Esperando ver aonde colocarei o meu barco.

Freitag, April 9

Eu queria somente a lembrança vaga e nostálgica de todos vocês pelo resto da vida. Evitar mais contatos, mais vivências a dois, três e todos. Esquecer dessa loucura que me assombra, os restos espalhados e recolhê-los, silenciosa, luz de inverno. Refazer-me e ter de lidar, a cara mais lavada, com essas baixezas e covardias. Aprender a conviver com os meus fantasmas, as suas projeções em mim - somente. Deixar o vento coisa fria envolver-me e ir removendo, aos poucos, lodos, parasitas, vermes, nevrálgicas marcas abandonadas como espinhos por debaixo dos dedos. Cansei de estar com o outro, o outro estar comigo sem inteirezas - nem ao menos as mais singelas - olhares, formas, banalidades.
Desejo, hoje, não estar mais aqui. Perder o paladar, voz, pele, carne, entranhas, útero, cérebro, coração. Desfalecer, tombar devagar, como uma árvore raízes fortes no chão mas machadadas violentas no tronco. E um rastro grama abaixada ser a única prova de minha existência vegetal parca, inerte, em fechada floresta de assovios, trapaças e canções.
O falecimento de vocês em mim libido espalhar suas cinzas no mar revolto do oceano azul cor púrpura.
Quero enviuvar-me de mim.

Sonntag, März 28

E descobri-lo foi a maior dádiva. Esteve por conta dos seus erros e esqueceu-se pontuações regras detalhes porque alcançar o fundo estava à frente, estendendo a mão quase alçando suas visões vozes o sempre perseguido fundante de si. Piscou e viu-se inteira submersa num outro segundo pisou a casca dura que lhe fazia. Pés no chão agachada uma mariposa e sentiu palavras soltas suas mãos enrijecidas tecendo talvez queixumes e tantas outras iguais por vir por ser por compor o seu discurso envergonhado de si, linha quase-nada transparências no papel. E o papel que ainda não o era, a sua grande questão era com a carne-cara viva, essa que se estampa a todo instante toda vez que se descobre o outro-companhia e vê-se metido com palavras abstratas  fala ao ar. Para quem estaria jogando suas poucas e novamente, acanhadas impressões. Entregue ao erro não o era, desparamentos as serviam nos seus traços poucos irrisórios teorias do nada sentia-se liminar ao mundo grandes discussões não a serviam. Não sabia dizer se havia sentido o incômodo a rigidez o ridículo de tão pouco e isso habitá-la serva. Amava as particularidades mas não sabia se havia nesse discurso desculpas para a sua falta de tato consigo mesma, questionava porém ainda: não, até aqui mas não mais pra lá, não tenho condições. Quais condições eram essas? Quando abaixou um pouco a cabeça observou o pó pele morta acumulada por entre as teclas inundou-se de raiva - era ela e mais ninguém, ela deveria esfregar esse lodo de indiferença e carências na qual se transformara mas nem condições tinha de transbordar torrentes e tempestades, era oca e casca somente. Esqueceu-se de ler, esqueceu-se de ser além de, queria sair e comprar flores resolver seus problemas rir de verdade e saber, de fato, que não era uma farsa isso de lavar o rosto e apresentar-se resolvida aos outros. Sentia saudades de tempo do de trás, de tempo quando conseguia sentar e resolver internas questões borrarias ah vá, valha-me deus, há um deus no qual ela não acredita, quiçá seja essa a grande questão. Não havia mais álibis nem meias conversas dilações agora não mais, teria de ser breve entregar-se ao luxo do de ser tirar sua mão do rosto e aceitá-lo assim, de longe, como ele próprio havia arquitetado. Queria só a coragem de mantê-lo distante afastado dos seus dias acostumar-se com sua falta com a dor que a consumia - pesar maior era levar essa relação morna morta dedicada às sombras aos barrancos aos precipícios - e vontade tinha de jogá-lo morro abaixo - e logo depois salvá-lo.
Retomou: a pele, superfície porosa de inúmeras possibilidades me protege da água mas não da sujeira carregada por ela. Lama permeável, visível, porta que bate generosidades parcas agonizantes: quais são os agonizantes deste dia? Talvez eu compartilhe mínimo de dores ajoelhe minhas misérias esparramadas guarde as minhas sementes (brotarão elas cem duzentos mil anos três mil depois de cristo?). Cansei de escolher vida.

Dienstag, März 16

Enferrujos

"Está bem, deixe de frescuras, menino, alcance o pote, o da beira, não o deixe cair, tome cuidado - líquido precioso fúlgido extraído das sobras do tempo do resto dos meus dias ao lado do daquele, do escolhido para a outra margem, travessia fez e pensei: báh, às borrarias aquele velho, cá pra nós, amanhã o desgraçado volta. Quando os dias tornaram-se meses formando estações e anos vi que a sua ausência transformava o mais insone e parvo desejo em matéria palpável das bobices e intempéries do tempo."

O menino entrou na casa e viu amoltoados potes muitos das mais diversas formas uns grandes e secos outros úmidos pele recém esfolada o sangue fresco coagulando - bemdizer maldizer e todas aquelas maldições de cascas de árvores e pequenos frutos talvez recaísse,

Sonntag, Februar 28

Uma história sertaneja ainda vou contar.
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engraçado isso de estar aqui sem recursos negar-me aos recursos - são fracos ou fraca sou eu vastidão e nem sei eu lidar com janelas com portas abertas ventiladas, prefiro fechar e ao calor abafado dedicar-lhe memórias mínimas mas sinceras. sinto que o ponto ao qual chego é descontrole desconforto desilusões vazio e aprendizado calcado na carne da experiência e o que me move a escrever o de sempre o arroz salgado o feijão aguado sobras restos um mínimo talvez nada dignidade talvez naqueles vincos do irreal marcas da pancada azedumes carne estragada podre dada aos cães guardiões da noite existiria alguma súplica ardente pelos que morrem pelos agonizantes desse dia e desfiaria um terço em honra às almas poucas às almas que nada habitam vácuo miséria esquecidas mortas por um assalto suspiro equivocado do destino. Dê de desamparo, derrelição, ouviste? recuperada estou mas sinto agonias do não sentir do estar em paz branca perder a sensibilidade leve o mundo não mais aqui não mais boca grande.

Mittwoch, Februar 24

Recostada a cabeça ao seu corpo, pensou amores e juras sinceras dessas vergonhosas apenas baixas pés de ouvido ditas. O seu corpo o meu corpo - era sempre o que dizia depois de estendermos os braços depois das nossas fodas depois de dissolvermos nossa ignorância no extremo absurdo de nós dois.

Mittwoch, Februar 17

 ,



estava como num fim num grito engasgado embasbacado preso à garganta. Sentiu-se meio de final um pouco suja um pouco perplexa com tamanhas mentiras sustentadas e as carências e as fáceis trocas que fazias pelo farelo de pão. Era gente baixa gente mesquinha aquela e ela bem sabia que os acúmulos e imperfeições e o transbordar sair de sua fôrma eram frutos de maldito ventre malditos vincos onde sujeiras e inconsciências recostavam. Já estava de pé ali no canto criando fungos e raízes podres criando sonhos vazios mentiras gostava de fingir estar inteira interessada nas conversas dos transeuntes dos passantes dos parentes dos amigos e tarefa difícil essa eu sei bem fincar chão fincar os nossos aparelhos e implorar por vida. Os joelhos gastos tantas quedas tantos desprazeres tantas armadilhas caídas e as mãos sujas enlamaçadas de tentar reerguer sem apoios ao redor sem um gancho uma mão nada vazio e a sensação de fracasso tristeza arrependimento de vida toda vez que revisitava o chão os lábios o tocavam solenes os olhos fechados aguados vencidos assolados daquelas realidades. Respirou um pouco, lembrou-se ensinamentos espiritualidades visões aversões os cus do mundo revisitados revistos a cada vez que habitava novamente o chiqueiro a bosta a cançãozinha de merda vinda daquela boca maldita gozo sêmen morte.
Por qual necessidade por um deus insolene ausente porque continuaria rastejando marcando rastros olhando por entre as janelas aflita pelo rosto do seu segredo da sua presença antes ignorada agora necessária agora entre os vivos entre os que legitimam a sua existência no mundo. Sentia os poros os olhos o corpo todo atento aberto ao seu toque sentia as atrações d'alma e seria capaz de revisitar o inferno se preciso fosse. Gostava de sentir-se assim, apesar da dor da inconsciência do monólogo da solidão daqueles sonhos não tocados no chão desenraizados clamando água terra barro fecundidade. Fez-se silêncio aquela tarde e o romper de uma longa noite de esperas frustrações invejas baixezas medo pavor o soco morto na cabeça o coração doído encolhido as murchas flores antes rosas agora de sangue cobertas aproximava-se.

Mittwoch, Februar 10

Da tabacaria vejo o mundo,

Ontem de noite ela saiu para comprar vestidos e trombou numa loja de cigarros. A loja almofadada curtida no aroma fumo tostado ou não zilhares de quilômetros queimados ao prazer do consumidor as putas com longas cigarrilhas os machos com suas toras por entre os dedos viris, o sexo aparente nas bocas nas mãos no hálito fosco queimado. Pegou um maço de cigarros simples, desses oportunos do dia e nem sabia o que faria com eles, nunca havia sequer colocado algum na boca nunca porque fedia porque queimava porque era moeda de troca de baixos e assassinos porque achava-se covarde demais e era assustadora essa coragem surgida do depois. Os vestidos eram para uma festa dessas de debutantes velhas, vadias do mundo que cercam a vida pro de cá e mantém soltos monstros construções do nada e sempre a mesma tecla o mesmo ato de esculpir borrarias baixezas d'alma medianias pelo nefasto pelo outro o pior. Limpavam o de dentro matando o mofo o úmido que floresce a natureza molhada o ventre a vida os vermes na boca. A tabacaria dispersou a vontade de rasgar-se em muitas. No perfume na queimada no prazer daquelas pessoas no circo armado negações de si apesar de todos os avisos de câncers e impotências, apesar dos fetos e das amputações, aqueles do dali entregavam-se às doenças às ameaças às pequenas dignidades talvez um pouco céticos do desastre que lhe ocorreriam tantos alarmes e sujos já estavam, não? Não estava por nenhum lado, acontece que farta estava daquela monotonia do limpo das debutantes vadias daquela noite, dos sorrisos e ensurdecedor silêncio daquela gente ouvinte nem do oco do osso do barulho rotineiro dos dias. Na tabacaria, a conversa pouca esgueirava-se pelos cantos e os olhares perdidos solitários apontados pelos instantes vazios de convivência escassa ou nada com o outro muito em si-próprias. Aquela prostituta em especial nada a vontade com o corpo que vestia com os homens ao redor com os penduricalhos que trazia no pescoço com os pedidos de fodas com os pagamentos em forma de dinheiro e dor. Apetite sentiu pela pele dessa aquela puta e chegou devagar, sussurrando no ouvido. Aos poucos, foi trocando de roupa, pegou os badulaques da outra e vestiu-os no pescoço, um sorriso de malícia de canto prazer e gozo incomensuráveis de estar ali habitando o antes sujo porco mal lavado mal vestido infrequentável merdas esgotos sórdido acariciou o corpo desejoso mergulhado no esquecimento ressuscitou o toque a visão o paladar ao colocar o maldito na boca tê-lo por entre os dedos, tocar o sexo olhar ao lado e homens e vontades e agora sentia-se cidadã do mundo, quer que fosse essa merda significar. Desligou seus celulares, absteve-se de seus compromissos com as porcas vadias ao avesso e foi ter com os amantes que a esperavam, com dinheiro e dor, essa noite.

Ao meu,

.




Ao teu silêncio cansei de ser devotada, não quero mais aforismos nem tuas míseras meiaspalavras e teus "descomprometimentos". Mandas-me soprar ao vento e dissecas o meu discurso conforme às tuas toscas vontades misérias supremas dizes eu manipular a tua dor eu estar mais afastada do teu curso de rio - eu sou bem culpada também nessa história, sim, mas por favor, não vou ajoelhar nos teus pés e pedir-te: esqueças essas palhaçadas esses maldizeres essa cabeça atormentada sujeitos e mais sujeitos. Vontade tenho de entrar no turbilhão e pescar-te da loucura. Tu não deixas. Ainda continuo com o meu melhor aqui para ti, acreditando você ou não.

Montag, Februar 8

do corpo úmido.

Por fora o corpo ainda fraco dentro mulher grande mulher que se deixava vestir inúmeras vestes todos os tons penduricalhos as coisas espalhadas pela casa, não sabia mais se empilhava ou encaixotava trapos quartos e quartos de solidões vastidões sem-fim. Farta estava dessa cruel lógica dos dias um dia fez-se crescida esfregou bem a pele pela manhã para ver se descamava aquele podre instalado nas suas frestas tantas misérias por deus, tanta sobra via-se com tanto e nenhum pouco para si, iludia-se cobria a pele pertences e mais pertences pobrezas foi despindo-se pensou nas mentiras acumuladas, despindo-se pensou na necessidade de tudo aquilo – a quem engano senão a mim mesma? Aparências de si aparências para si própria – às favas o outro, mentiras, repetia. Viu-se nua, a pele começava a descascar. Tirando foi delicadamente qual cigarra bicho que troca o que não lhe pertence mais – aquela vida merecia tez nova, riu da descoberta e tocou-se inteira, arrancando-se inteira num gesto de violência sutil. Descobriu pontos em si adormecidos, tempo cotidiano massa entupindo os poros casca dura agarrada à pele alguém disse insustentável leveza de ser – pensou ela no lanço dado à desgraça pensou nas maldições andar de braços dados com o medo sem desconfiança nos flertes com a demência e nos buracos nos quais esteve centenas vezes. Foi tirando devagar, doía demais estar entregue às suas vontades doía a falta de medo a coragem tomar rédeas – essa estranha alegria de conhecer-me respeitar-me e fazer o antes impensável. Sentiu o peso extraído das costas, retorceu bem o braço, alcançou as costelas puxou o peso morto respirou fundo as costelas estavam bem existiam as costelas ainda sustentavam pensamento boca seios braços para que alimente corpo coração, abraçavam o coração devem ser importantes pensou, acariciou o tórax e curvou-se um pouco – por quanto tempo continuaria a respirar e a vida que sempre respirou? Dar-se-ia jeito às coisas pessoas será que todos existem mas e as mãos do pianista leves fecha os olhos um pouco pesado o que vê ele em meio à sinfonias, tcherzos, duos, peças importâncias d’alma? Quero também despir meu corpo de notas, alcançar o silêncio não preciso mais estímulos externos não sei nada, meu bem, preciso arrancar esse peso distribuído no corpo a carícia tenta mas não adianta preciso de força esfregar bem, um dia um tal desnudo praça pública devolveu tudo o que não lhe pertencia e buscou o alto negou pai mãe sociedade descascou as camadas abruptamente foi ao núcleo de si recebeu chagas abraçou o necessário nada lhe faltou, não é mesmo? O que são faltas? O que são as obrigações casuais destes nossos dias? Embustes, arrancava mais pele via-se no topo enquanto queria habitar a lama esfregar o sujo na pele cheiros de espaço-nave eu não quero mais isso por favor vá embora, não agüento mais essas solidões forçosas, nem cotidianos mesquinhos, murchos de humanidade e erros – não, por favor, vá embora, estou despida, não há máscaras, meus defeitos todos estão aqui ao meu redor, não tenho nada a lhe oferecer só coisas baças, vulgares, odiosas, habito odiosas pessoas odiosos eus não sei mais se sirvo para as suas revelias meu pescoço não tem mais aquela superfície de outrora eu sei eram bem prazerosos aqueles dias mas vazios por favor ainda há muito enxofre aqui preciso continuar, tenho aparências fingimentos aparatos muitos por despir não existo mais agora sou outra – eu mulher renasço depois de anos eu mulher estou por vir é movimento precisão de espírito chegue mais tarde agora estou aqui aflita com medo e não quero a sua ajuda só eu sei terras penosas que preciso enfrentar só eu sei abandonos por viver – deixe-me ter experiências não me roube de mim preciso continuar preciso ter com meus ocos significar o vazio estou significando minhas dobras agora dispo-as não temos nenhum entrave agora elas olham para mim constituem corpo dão vazão a algo de mim compõe minha história meu passado – chega, chega maquiagem nas feridas, estou conversando com elas, regando-as na sombra devagar, elas existem não posso ignorar estou chegando lá por favor não me faça parar agora eu sei talvez seja doentio mas doentio seja mais estar conviver com a loucura de nossos dias loucura das pessoas hoje sem tempo para estar com as outras estar consigo próprias estão só com a superficialidade – minto, superficialidade que cobrem com massas e massas de insegurança e desvios de verdade o que é verdade um dia Ele perguntou. Não obteve resposta.

Vá, tenho que sentar, saber de mim, perguntar a mim mesma o que fiz com aqueles restos renegados ao esquecimento, eles estão aí? Preciso sentir o corpo tal qual Van Gogh e a orelha perdida – em nome de quê as coisas se dão? Descascar camadas de cérebro treinado e burro, de sensações abarrotadas de cheiros, temperos, toques. Isso de pensamentos, palavras, atos e omissões já sei bem eu mas não sei e quero saber disso de habitar o Olho, o cu do mundo de estar inteira. Vamos, arranque um pedaço de pele também, a dor não é imediata e instantânea, perdura anos abre outras possibilidades quiçá o mundo fique um pouco entediante, monótono e você conheça mais sobre outras coisas interesses adversos a solidão do capitão do mar encante-lhe tal qual super-herói. Conhecerá delícias sofrimentos da carne ficará mais esperto e sorrirá ao ver pessoas abraçadas aroma de alecrim besteiras saborosas. As papilas, os poros, audição, toque, suor, levezas e durezas e olhares e derepente não é mais nós lá é você só.

Donnerstag, Februar 4



Porque não me era sentido o odor de seu suor nem dois tempos atrás e agora faz-me perpetuar sombras perpétuas indignas de ti. Porque de teu calor e presença sempre distantes olhar vidrado no horizonte sinto falta vontade de quebrar os vidros que se põem entre você e o mundo do de fora e fazer-te esquecer um pouco de derrelições e loucuras - tragar-te do poço que lhe possui. Caminhadas leves e de compromissos às favas, vamos mesmo é sentir o ar circundante em nossas veias e vincos. Leria uns trechos de um livro num banco de praça e faria você rir das minhas entonações esdrúxulas a cada pausa de palavra no canto do papel. Riscaria as consoantes bobas, tipo o 'n', e ficarias puto. As letras merecem estar agarradas no papel, sem distinções. Discutiríamos filosofias vãs e então recostaríamos no silêncio, procurando palavras mas sem falar a boca nem abriria, engasgaríamos numa quebra que necessitaria de coragem para ser feita.

Na minha memória são dois num só



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Donnerstag, Januar 28



Nesse dia eu estava assim. Um monstrinho.



Desenho antigo, Jesus era a salvação fake no meu sonho, tipo Enri Cristo.

Cheiros.

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Descamando as cascas, sobreviveu ao inferno até agora, porque não um pouco mais? Enlaçou-se devagar recuperou um pouco das plantações largadas caçou o infinito de si sabia tarefa árdua havia muitas acumuladas muitas penas muitos nós muitas serragens espalhadas muitas a por fazer. Danos amontoados o grosso da superfície descascando o pior o pior sujo o pior agarrado o pior tantas vertigens tantos suicídios por vir tantos erros danações humilhações cuspes na cara pisaste o chão embolorado das memórias que não quiseste tocar pisaste o úmido do olho fétido esquecido pisaste areia movediça foste engolida por velhas por escárnios mal-dizeres borrarias deixaste-a ir porque não quis perpetuar a espécie? Não vale a pena não é mesmo? Então me diga porque as lágrimas acumuladas peito sombra crianças infernais correndo praça acima praça abaixo nenhum pouco conscientes do peso que as leva porque probo de enlaço e tempo seus? Pensa-se reto estonteante – hoje despistes o teu vestido mais bonito, aquele cetim-rubro laços discretos nas pontas. Esfregou bem o de dentro, viu-se nua, foi ter com o espelho e tocou faces brancas dentes amarelos sexo rosa-morto. O chão era turquesa e caía bem com dias como esses. Forrou a porta, janela e resolveu tirar tudo de si – mentiras, tudo mentiras. Aquilo saiu e se retorno sempre ao ponto é porque doloroso era tocar nesses assuntos pegar encarar de frente materializar admitir existência dos desgostos – padeceu ela agora sob pôncio Pilatos, sepultada e agora ressuscitando os antigos mortos.


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Samstag, Januar 23

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Sensibilidade não preenche vazios de ninguém, às favas com esse discursinho morno, trépido.



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Montag, Januar 18

chegaríamos,

Digo: aquilo ali nada tem a ver com o incomensurável, o divino, o rosto esfregado no barro, no ócio letárgico o corpo cai quebra um pouco o corpo partido em dois o corpo um nada dedicado ao abismo de ser ao abismo de estar com eles a dor me invade é preciso coragem física, é preciso decência mínima esbravejar espantar a dor o ressentimento de lhe ver pouco de lhe tocar um pouco a frustração de ter lhe visto desde o começo próximo muito próximo e agora acho que começo a entender a sua custosa decisão. Sim, bem sei eu o quanto difícil foi para ti esse afastamento esse abandonar-se no deserto. O sagrado lhe habita todo, pés e mãos e tórax, mais um pouco e sim sim, serás arrebatado aos céus, meu bem, aos céus d'onde ouvirei sua voz suave a encostar no meu ouvido na minha pele o toque e pensarás: saravá com as suas delícias deleite-se comigo amor, deleite-se e ouviremos o toque ameno longo perpétuo dos sinos do rito do cotidiano abastado pouco valorizado poderíamos perder o fôlego em nós e isso nada teria a ver com as indecências daquele povo as sexualidades abusivas muito banalizadas; seríamos um rito nosso eu-ti constante, e Deus lá de cima abençoaria-nos.
Agora preciso tomar fôlego e buscar algumas linhas soltas no jardim de fora.
Medicação suspensa e as dores dessa difícil escolha. Não sei por quanto tempo.

Freitag, Januar 8

flácida,

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Sim, é dor o que eu sinto agora, comedida estando à beira de um precipício estando num fúnebre silêncio estando absorta pela falta de um eu próprio de um eu firme de um eu presente de um eu que acolha os frutos frustrados frutos podres frutos sem alma. Necessitaria eu de alguma sórdida razão para continuar com essa loucura árida seca feito mãos na enxada anos sem chuva - é necessário conviver solos estéreis, não disseste isso? Não colocaste o dedo na minha ferida e sem responsabilidades jogaste-me pobrezas o meu ressequido, por deus, como ressuscitar agora, já que nem a crença nos meus mortos nos meus antepassados existe? Como continuar se perduro rastejando inflamada a qualquer alarde como quem possui o uno a verdade a cada instante, e a cada instante as coisas transformam-se trágicas e invadida sou de ódio inofensivo nunca cessam as tempestades com a boca aberta grito um som surdo, sem forças, delegado ao esquecimento.
Gostaria eu de entregar-me à não-memória, entregar-me ao drama barato, às chantagenzinhas baixas de quem vive o nada, entregar-me à merda da vida desses dias deixar faltar a força o braço o osso oco do meu corpo quero entregar a ti, verme leitor, as minhas carnes apodrecidas relento juntamente com as moscas, as larvas, o mal cheiro fedor a minha putrefação - hoje celebro com vinho azedo, fermentado, a camila estragada que nasce do vazio de sentido do vazio da miséria de ser de sentir de nada ter a lhe ofertar a não ser cabeça coração e mistério. A perda de mim, a outra que se pôs e faz um aceno tirando-me tripas pulmão fuligem dando-me tiro nas têmporas esmagando-me as ideias as merdas. O que sabes de ser invadido por um milhão de litros de água e um segundo depois ter sede no saara habitar o suspenso a cavidade sem ar sem terra sem consolos nem toques nem de um lado nem do outro experimentar o insosso a clarice pediu para experimentar mas poucos o colocam na boca fazem disso fruto bendito de vidas e como é isso eu não sei e como é isso de ser sempre um pouco mais um na multidão um pouco mais um nessas vias abertas os pés na cidade que desmorona os pés suspensos não quero essa estranha sensação - ah, querida, como se houvesse escolha, recusar-se é um dar-se ao luxo que não lhe cabe agora. Eu te desejo, ilustre desconhecido, para dividir o que não sou, as minhas mentiras, e você incompreensivo, dirá: 'ah, não se preocupe, ficará tudo bem'.
A casa que quero para mim não tem muros nem entradas. Entra-se nela pelas frestas.



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