"A vida de um homem é o instante onde o mundo, em vão, se ilumina. A pedra, a lua e o rosto do outro não seriam comemorados e celebrados se o breve trânsito de nossa aparição não contasse com a língua e com a palavra. Também os gestos ou a dança e a pintura igualmente celebram, mas é na palavra das línguas que o mundo deixa de ser mudo e pode tocar a aparição. Se o homem deixar de existir e apenas o lagarto ou outro animal grunhir para a lua, então ela será menos lua e algum deus criador que acaso persista em sua incansável persistência terá de reconhecer que sua “obra” não é mais devidamente celebrada e ele, junto de seu imenso narcisismo trabalhista, teria de se suicidar. Celebrar é estar exposto e atingido pelas coisas a ponto de, ao dizê-las, guardar-lhes a vibração, comemorá-las. Estar atingido também pela proximidade do rosto do outro é enxergá-lo a partir do aberto, não sendo o aberto mais do que o lugar de uma aparição intrinsecamente frágil, de uma aparição-desaparição. Mas o homem não gosta de estar exposto; ele é alérgico ao lugar. E, enquanto alérgico, converteu-se num animal blindado e, quando alguém aponta para o céu (como um personagem de Bernhard) e diz: “veja, ali está aberto, vejam, está aberto; a palavra a-ber-to está redigida no firmamento”, então, já não se percebe o que isso quer dizer, pois o homem blindado gosta de viver no fechado e de medir a palmo. O homem blindado expulsou a hospedagem: não está aberto à visitação dos afetos ou da palavra."
Juliano Pessanha, vale a pena.
Keine Kommentare:
Kommentar veröffentlichen