Montag, August 31

Senhôr T.

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Então um dia, voltou ao vilarejo que lhe pertenceu outrora. Reviveu a história com o barro nas mãos e as lembranças marcadas no corpo. Viu - olhou de frente seu eu-pequeno, seu eu-alegria frágil. Deve ter fechado bem os olhos, suspirado um pouco e ter derramado umas poucas águas. Sentou-se nuns tocos de madeira ali de perto e pediu para que todos se afastassem um pouco, precisava reviver aquele menino machucado novamente. Longe de todos, encostou seu ouvido nas folhagens podres do chão e foi tombando o corpo devagar. Ficou imóvel uns instantes, sentia-se novamente enlaçado pelo calor firme e amoroso de sua mãe. Começou a sussurrar bem baixinho todas as suas recordações e tristezas à terra e ao vento. Dedicou ao vento as angústias e à terra todo o resto. Queria ser plantado ali, plantado bem-formado, sem nada que reste, atrapalhe. Reencontrou novamente a mãe dissolvida no vento, na água do poço e naquela terra fértil e vivida. Ouviu sua voz a lhe chamar todo fim-de-tarde. "T, lembre-se sempre, a água deve ser agitada e bem servida, ouviu? A água é alimento, deve ser buscada nas tuas necessidades lá no fundo, aquelas que nos bastam. A água não é torneira, não é depósito, não é coisa a ser comprada; exige procura, sedimento, plantação ao redor." Depois mais tarde ela lhe disse que saísse dali pois tinha feito do jardim um deserto árido
T nunca tinha entendido esse seu desespero com o mal-plantado verde, mesmo sabendo que aqueles ambientes cinzas não o pertenciam. Demorou um tempo, e T. resolveu semear novamente o que existia ali, e foi re-construindo a sua casa de antes, bem devagar,



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Sonntag, August 30

um outro.

Ao braço dele estava de pronto. Sempre nas suas falências, nos meus erros, nas nossas divagações, estávamos lá de braços unidos. Às vezes escorregávamos abismos, aflições e risos. Por ora sempre interlaçados por uma espécie de cordão umbilical-pensamento. Quando fomos afastados, percebendo-nos sós, o meu braço agitou-se muito triste, reclamando a presença do ser único. Ele fez drama e levou meu corpo todo a agitações e ações detestáveis da vida. Ele se fez frio e gelo alguns dias. Eu Camila corpo-sem-braço pedi para que ele voltasse a cuidar das minhas outras partes. Ele ficou intacto como algo sem vida. Eu pedi para que ele me lavasse inteira e me fizesse limpa. Ele empurrou meu corpo contra a terra, me fez abrir a boca devagar, empurrou uns vermes-terra pela goela e desenhou uma linha suave partindo do queixo até o umbigo. Percorreu o corpo todo vermelho-terra. Depois pediu minha licença e retirou-se um pouco. Olhei bem para o meu corpo demarcado todo linhas grossas e malfeitas. Quentura na cor e no toque. Umas partes respiraram bem fundo, outras contraíram devagar, quase tímidas. Ali, despojada dos meus braços, fui experimentar o tronco que restava. Rolava para todos os lados, mas não havia nada que me segurasse, me fixasse num ponto. Fiquei o tempo necessário para despertar. Meus braços pediram licença devagar e foram movimentando quase como um pêndulo. Agitados, vivos aos poucos. Ainda reclamavam da quentura dos braços, aqueles outros do começo. Disse então que não se preocupassem, iríamos procurar aquilo por outras bandas. Lembrei-os que o Sol imana calor infinito e diário todas as manhãs, principalmente as mais geladas.
Desde então, temos dissipado os gelos diários com o calor dos nossos toques diários.

Mittwoch, August 26

Sobre açougueiros.

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Aqueles bolsos de antes não cabiam mais aqui, sinto que de certa forma enfiei sacos vários de todos os tamanhos num buraco menor que uma cárie de dente. Olho as pessoas ao redor e simpatizo-me por suas histórias – por mais obscuras e irreais que possam ser para mim. O açougueiro, outro dia, olhou com os olhos graves para mim, e foi desfiando a carne devagar. É pulsão de morte isso de ficar dias e anos desfiando carnes, pesando-as, preparando-as para banquetes diários? O açougueiro seria assassino se a sua lâmina não cortasse as carnes dos animais? Às vezes imagino-me como uma grande vaca a ser demarcada e cortada. Esse dia quase pedi para que ele, cuidadosamente, usasse de sua faca para me fazer alimento. Farta estou dessas insanidades do pensamento, isso de me pensar fragmentos, áreas, limitações – isso de querer ser menor, uma agulhinha talvez, pontiaguda, a traçar as áreas menores desses sem-nome, dessas frações, frações e segundos frações e misérias. Deu me perceber bem menor que a bunda de um camelo pelo deserto, de habitar seu cu. Isso de construção a partir do engodo, a partir dessas minhas lascas marcadas a formão pelos meus dedos. Preciso contar ao mundo que existo, que posso riscar também, apesar de não estar afiada. Necessito do corte preciso de alguém por essas bandas, me chacoalhando, dando um tapa bem forte na minha cara.



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Donnerstag, August 20

Lápis nos dedos, vamos lá.

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Hoje eu estava por contemplar essas coisas batidas, contempláveis por natureza.
A minha mão estava por desenhar entre os abismos do ar curvas, retiros, barcas, moradas, tudo diluído e mais rápido que uma flecha varando o Sol. Um algum pesou no meu cangote. Tirei as mãos do céu na hora, as pus pesadas nos ombros. Aquilo precisava sair, sair. Esses sofrimentos doídos superficiais, esses que a gente resolve com algumas horas de atenção, tensão e respiração. Por fim aceitei esses que me percorrem, esses que descem sempre nas minhas vidas de sempre, esses acúmulos de erros que aqui pressupõem boa gramática, entendimento, diluição da ignorância. Essas coisas das pessoas bem-formadas desde o berço por centenas de livros. Aceitei o peso no cangote, certa de que tratava-se de coisa passageira, pouca.
Alguém muito sábio(a) discorreu sem chatismos sobre a importância da experiência e da alma bem formada. Porque uma boa família molda a cabeça, mas boas pessoas moldam a alma, preparam-na para o bem e para a morte. Transformar os traumas em possibilidades de finitudes, deu me por limites, cercas. Respiração psíquica tem que funcionar bem.
Acabei por não fechar as linhas desenhadas no céu. Elas foram, ventos do inverno. Por fim acabei derramando uma xícara de chá numa senhorinha, desculpas, eu pedi. Ela riu muito, suas rugas acharam graça, e agradeceu-me por tê-la tirado das lamas do pensamento.
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Mittwoch, August 19

às voltas com.

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Nessas terras sertaneiras, meu bem, não há nada que sobre.
Ontem eu caminhei nessas terras áridas, azuisclaras. Tínhamos nos tocado, ele com as mãos laçadas nas minhas costas, um suor frio percorria as nucas daquele povo e a nossa. Quis tocar algumas rugas, talvez me aproveitar delas, visão romântica do sofrimento alheio. Achei arrogância demais aquilo e me mantive distante. As realidades não se cruzavam, por mais que eu quisesse, forçasse a entrar naquilo.
Eu que desejava ansiosamente provar do veneno alheio, descobri-me sem janelas, portas, nada que fluísse. Um marasmo sem fim. Meus pés pouco caminhados percorrendo os quilômetros lineares de fé não-calambeantes no solo seco, infértil, pobre.
Nada a pingar por aquelas regiões. A água, pouca, evapora já nas primeiras horas da manhã. Água não protegida, enlamaçada. Se quer se alimentar, que também se suje. Juntaram algumas águas nos meus olhos, essas salgadas e escassas. Juntei-as nos meus dedos, por entre um suspiro e outro. Uma daquelas meninas descalças, desajeitadas, com plantas nos cabelos, voltou-se para mim sorrindo: ' dona, a gente chama essas águas caídas do corpo de pérolas; a gente não se envergonha disso não, nem recolhe nos dedos. A gente deixa cair forte no chão e ela espalha, fraca e úmida'.
Ontem, repito, visitei terras áridas de solo, umas rachaduras por entre os pés, vãos da falta. Nos desenhos das palmas da mão, repito. vi centenas de linhas de fé enroladas, juntas, sobrepostas, com a razão faltante e a generosidade nos olhos de quem só pode ser um gigante, um mestre da difícil arte de SER.


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Sonntag, August 16

Talvez zonza.

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Ainda antipática.
Um dia meio ruim hoje, um quê de superficialidade.
Isso me irrita. Como resolver isso?

Queria pegar aquela mulher e torcer o pescoço dela.
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A gente tem muitas maneiras para resolver o vício.
A gente pode matá-lo.
A gente pode vencê-lo,
a gente pode ainda estendê-lo a alguém.
Mas a gente não consegue fingir que ele não existiu uma vez.

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Antesdonte eu tava com uns troços meio loucos
por dentro da minha carne,
aí eu resolvi aceitar aquilo por um instante só.
Vixe Maria, acho que eu me fodi um pouco,
o negócio começou a crescer dentro de mim e
de repente eu tava tomada de assédio e
solidão - uma ruptura muito forte no
meu coração, esse físico,
nada dessas canções de coração do
Roberto Carlos,
acho isso piada pra boi dormir.
Mas voltando à historiazinha,
aí eu comecei a gritar:
' O seu moço da esquina,
me dá um pouco de gelo,
preciso esfriar um pouco esse
peito ardente'
Ele me respondeu:
'Pra mal desses tipo, dona,
a gente não usa gelo não,
não se serve disso'
E me indicou uma curandeira lá no alto, uma
que existia a pouco aqui nessas terras sudestes.
Uma tal de Dona Leta.
Fui lá, já cansada do meu coração - veja bem,
coração físico - em chamas.
Dona Leta me encarou, olhou bem nos meus olhos
e disse:
'Esses mal já atingem o homem há muito tempo,
é coisa do homem superior,
o homem com H,
aquele que sempre está lá,
ele encheu nossa estrutura de um monte de coisa
doída, enferrujada já na origem.
Vocês procuram a gente porque não sabe,
porque não tem bula das vivências,
e são meio caolho,veja bem moça'
Ela pega meu queixo e leva bem próximo a boca dela,
um hálito insuportável,
você tem o cheiro das madama que eu encontro por aí,
que maquia tudo,
você precisa sentir o próprio cheiro,
senão não consigo dar jeito'
Achei aquilo meio bizarro,
o que tinha o meu cheiro a ver com as palpitação do meu peito?
Pedi a Dona Leta que me desse remédio,
que me benzesse,
rezasse.
'Carece disso não, moça
Tem uns mal que o lá de cima ri,
e no seu caso ele gargalhou'
Fiquei espantada.
Ela logo emendou:
'E chega de tentar decifrar o mistério.
Vai pra sua casa e lava bem essa cara
com alecrim e manjericão'
Naquela noite, usei de todos os meus artifícios,
não adiantou nada.
No fim das contas, passei um creme com óleos
essenciais de alecrim e manjericão para limpar a cara.




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Samstag, August 15

Sobre um presente.

"1. Pequeno repertório de Henry David Thoreau

Preferências: várzeas e pântanos, mitologia grega, flores silvestres, vida ao ar livre, textos sagrados, animais selvagens, auto-suficiência, a marcha para o oeste, poetas ingleses, sua cidade natal, trabalho agrícola, pão integral, ação com base moral, o encontro entre o Oriente e o Ocidente, relatos de viagens, contemplação, pureza de espírito, naturalistas e viajantes, o canto do galo...
Antipatias: políticos profissionais, donos de escravos, exércitos e soldados, guerras, jardins, sedentarismo, o mundo dos negócios, noticiário dos jornais, o "candidato disponível", militância incessante, "espírito prático", "cidadãos respeitáveis", "boas profissões", sistema fabril, maiorias, partidos políticos, obediência automática, fatalismo, pregadores religiosos, "novidades", "bons modos"..."



E dá-lhe Thoreau para vocês!



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Donnerstag, August 13

Meu aniversário. Obrigada

Agradecer a Deus por hoje, pelo meu aniversário bem vivido ao lado de pessoas tao amadas.
Eu amo muito vocês.

Nossa, muito feliz meeeesmo!


Realmente, viver basta.

Saber que eu existo - isso nao é tao obvio.

Dienstag, August 11

Chafurdando.

Colocando umas coisas baixas, lá do subterraneo, para cima.

hoje minha vida foi quase por um fio.
puxei umas coisas embaçadas, poucas na lama,
largadas.
É uma mentira essa história de dizer: vem de dentro.
A questão agora é estalar bem os ossos do peito e do coração,
abaixar a cabeça devagar.

As piores semanas são sempre as de hoje.
A de ontem foi pior, mas a de hoje supera.

Re-viver o passado é uma baboseira pra mim hoje.
Eu quero saber é do amanhã.


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De novo

Dostoiévski.

Mas essa é para justificar minha risada escambalhafatosa:

"Conhecemos um homem pelo seu riso; se na primeira vez que o encontramos ele ri de maneira agradável, o íntimo é excelente."


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Percebendo.

nada disso aqui.

nessas últimas semanas, dores de cabeça e um enjoo insuportável.

pensei bastante no que tem acontecido comigo e com as pessoas.
nas mudanças,
e como eu fico feliz de perceber certas coisas se movendo,
mesmo que doa,
que sangre.

As peças se encaixam, a gente querendo ou não.
Jesus diz: deixe que os mortos enterrem seus mortos.
A Irmã Graça diz: no fim é Deus conosco (a água tem que fazer bem para o coração)

Não sei ainda aonde estou chegando, mas pressinto algo muito bom.
Dostoiévski diz: "Podem ter a certeza de que não foi quando descobriu a América, mas sim quando estava a descobri-la, que Colombo se sentiu feliz."


Parece que esses pressentimentos alegram a família há gerações... hehe


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nada que não desfalecesse,
nem não cegasse pelo excesso de luz.

Sempre varios sóis e caminhos nos arredores,



"Não, van Gogh não estava louco, mas suas telas eram jorros de substância incendiária, bombas atômicas cujo ângulo de visão, ao contrário de toda a pintura com prestígio na sua época, teria sido capaz de perturbar seriamente o conformismo espectral da burguesia do Segundo Império e dos esbirros de Thiers, Gambetta, Félix Faure, assim como os de Napoleão III. Pois a pintura de van Gogh ataca, não um determinado conformismo dos costumes, mas das instituições. E até a natureza exterior, com seus climas, suas marés e suas tormentas equinociais não pode mais manter a mesma gravitação depois da passagem de van Gogh pela Terra. Tanto mais razão para, no plano social, as instituições se decomporem e a medicina parecer um hediondo e imprestável cadáver que declara louco a Van Gogh. Diante da lucidez ativa de van Gogh, a psiquiatria nada mais é que um antro de gorilas obcecados e perseguidos que só dispõem de uma ridícula terminologia para aplacar os mais espantosos estados de angústia e asfixia humana, uma terminologia digna dos seus cérebros tarados. Com efeito, não existe psiquiatra que não seja um erotômano declarado. E não creio em exceções à regra da inveterada erotomania dos psiquiatras." - Antonin Artaud.




E que os mortos enterrem seus mortos.

Samstag, August 8

Aqui em casa a gente tem um cachorro que queria ser passarinho.
Ele fica o dia inteiro a brincar com esses seus companheirinhos. hehe.

O outro queria ser vaca. Mas acabou por ser pastor de rebanho.
Os dois cachorros andam juntos e um interfere na brincadeira do outro,
sem grandes questões.
São companheiros.
Tem um que sempre se enfia na frente do carro quando temos que sair.
O dos passarinhos faz isso.

Vontade de vomitar nisso tudo,
vomitar nessa minha história mal-resolvida com a minha família.
Estrangular a minha avó, as minhas tias do passsado.
È muito amor transformado em ódio.





Daqui apouco é meu aniversario.
Desejo todos os queridaos reunidos comigo e com a mirna.
Só queridos,
nada de convidados pró-forma.

Saudades de voces todos.

Samstag, August 1

Mãe do caralho.

Devo minha vida à minha mãe.
Ela me manteve viva.
"Levanta menina! Sai daí!"

Pessoa forte, consciente.
Mulherzão do caralho.
Sem frescuras, sem nhém nhém nhém.
Bate de frente, com uma delicadeza firme.
Que derrete e põe o outro para pensar no seu lugar,
e não deixa espaço para arrogância, orgulho.

A minha mãe revela e cura.

As minhas origens, o meu Pai.

Lembro do meu pai caminhando por entre a terra no sítio.
Do meu avô com o chapéu indo colher verduras na horta para o almoço.
A delicadeza ao pegar as folhas, preparar, cozinhar, arrumar, sentar, comer.
Um ritual.
O vinho caseiro da adega no porão. As pipas imensas cheias de vinho e pinga.
O amor, a dedicação contida naquilo tudo.
O macarrão feito na hora.
O jeito duro e ao mesmo tempo amável de ensinar. A gente fica nuns lances de achar que o outro reprime mas no fundo é só brilho nos olhos e um imenso carinho.
Depois de conhecer meu avô passei a amar meu pai e admirar a maneira lenta e digna de tratar a comida, os objetos ao redor. A vocação para monge. Meditar.
Dei mais valor à raridade que tenho em casa. A minha origem rara.
Vontade de abraçá-lo e apertar seu nariz (ouvindo ele reclamar que odeia que apertem o seu nariz).
"Tu não desceste da cruz quando gritavam, zombavam de ti, 'Desce e acreditaremos que és Filho de Deus'. Não desceste porque não querias escravizar o homem pelo milagre e só desejavas uma fé espontânea."

Os Irmãos Karamazov - Dostoiévski.


Re-revendo, re-revivendo minha espiritualidade, meus conceitos, meu cristianismo. Aprendendo a acolher esse lado, essa minha origem.
Olhando para meus pais, a história deles, os dramas de cada um. Os meus avós também.
Dostoiévski está me fazendo muito bem. A história dele é fantástica e o livro também. Apaixonadíssima por isso.