Por fora o corpo ainda fraco dentro mulher grande mulher que se deixava vestir inúmeras vestes todos os tons penduricalhos as coisas espalhadas pela casa, não sabia mais se empilhava ou encaixotava trapos quartos e quartos de solidões vastidões sem-fim. Farta estava dessa cruel lógica dos dias um dia fez-se crescida esfregou bem a pele pela manhã para ver se descamava aquele podre instalado nas suas frestas tantas misérias por deus, tanta sobra via-se com tanto e nenhum pouco para si, iludia-se cobria a pele pertences e mais pertences pobrezas foi despindo-se pensou nas mentiras acumuladas, despindo-se pensou na necessidade de tudo aquilo – a quem engano senão a mim mesma? Aparências de si aparências para si própria – às favas o outro, mentiras, repetia. Viu-se nua, a pele começava a descascar. Tirando foi delicadamente qual cigarra bicho que troca o que não lhe pertence mais – aquela vida merecia tez nova, riu da descoberta e tocou-se inteira, arrancando-se inteira num gesto de violência sutil. Descobriu pontos em si adormecidos, tempo cotidiano massa entupindo os poros casca dura agarrada à pele alguém disse insustentável leveza de ser – pensou ela no lanço dado à desgraça pensou nas maldições andar de braços dados com o medo sem desconfiança nos flertes com a demência e nos buracos nos quais esteve centenas vezes. Foi tirando devagar, doía demais estar entregue às suas vontades doía a falta de medo a coragem tomar rédeas – essa estranha alegria de conhecer-me respeitar-me e fazer o antes impensável. Sentiu o peso extraído das costas, retorceu bem o braço, alcançou as costelas puxou o peso morto respirou fundo as costelas estavam bem existiam as costelas ainda sustentavam pensamento boca seios braços para que alimente corpo coração, abraçavam o coração devem ser importantes pensou, acariciou o tórax e curvou-se um pouco – por quanto tempo continuaria a respirar e a vida que sempre respirou? Dar-se-ia jeito às coisas pessoas será que todos existem mas e as mãos do pianista leves fecha os olhos um pouco pesado o que vê ele em meio à sinfonias, tcherzos, duos, peças importâncias d’alma? Quero também despir meu corpo de notas, alcançar o silêncio não preciso mais estímulos externos não sei nada, meu bem, preciso arrancar esse peso distribuído no corpo a carícia tenta mas não adianta preciso de força esfregar bem, um dia um tal desnudo praça pública devolveu tudo o que não lhe pertencia e buscou o alto negou pai mãe sociedade descascou as camadas abruptamente foi ao núcleo de si recebeu chagas abraçou o necessário nada lhe faltou, não é mesmo? O que são faltas? O que são as obrigações casuais destes nossos dias? Embustes, arrancava mais pele via-se no topo enquanto queria habitar a lama esfregar o sujo na pele cheiros de espaço-nave eu não quero mais isso por favor vá embora, não agüento mais essas solidões forçosas, nem cotidianos mesquinhos, murchos de humanidade e erros – não, por favor, vá embora, estou despida, não há máscaras, meus defeitos todos estão aqui ao meu redor, não tenho nada a lhe oferecer só coisas baças, vulgares, odiosas, habito odiosas pessoas odiosos eus não sei mais se sirvo para as suas revelias meu pescoço não tem mais aquela superfície de outrora eu sei eram bem prazerosos aqueles dias mas vazios por favor ainda há muito enxofre aqui preciso continuar, tenho aparências fingimentos aparatos muitos por despir não existo mais agora sou outra – eu mulher renasço depois de anos eu mulher estou por vir é movimento precisão de espírito chegue mais tarde agora estou aqui aflita com medo e não quero a sua ajuda só eu sei terras penosas que preciso enfrentar só eu sei abandonos por viver – deixe-me ter experiências não me roube de mim preciso continuar preciso ter com meus ocos significar o vazio estou significando minhas dobras agora dispo-as não temos nenhum entrave agora elas olham para mim constituem corpo dão vazão a algo de mim compõe minha história meu passado – chega, chega maquiagem nas feridas, estou conversando com elas, regando-as na sombra devagar, elas existem não posso ignorar estou chegando lá por favor não me faça parar agora eu sei talvez seja doentio mas doentio seja mais estar conviver com a loucura de nossos dias loucura das pessoas hoje sem tempo para estar com as outras estar consigo próprias estão só com a superficialidade – minto, superficialidade que cobrem com massas e massas de insegurança e desvios de verdade o que é verdade um dia Ele perguntou. Não obteve resposta.
Vá, tenho que sentar, saber de mim, perguntar a mim mesma o que fiz com aqueles restos renegados ao esquecimento, eles estão aí? Preciso sentir o corpo tal qual Van Gogh e a orelha perdida – em nome de quê as coisas se dão? Descascar camadas de cérebro treinado e burro, de sensações abarrotadas de cheiros, temperos, toques. Isso de pensamentos, palavras, atos e omissões já sei bem eu mas não sei e quero saber disso de habitar o Olho, o cu do mundo de estar inteira. Vamos, arranque um pedaço de pele também, a dor não é imediata e instantânea, perdura anos abre outras possibilidades quiçá o mundo fique um pouco entediante, monótono e você conheça mais sobre outras coisas interesses adversos a solidão do capitão do mar encante-lhe tal qual super-herói. Conhecerá delícias sofrimentos da carne ficará mais esperto e sorrirá ao ver pessoas abraçadas aroma de alecrim besteiras saborosas. As papilas, os poros, audição, toque, suor, levezas e durezas e olhares e derepente não é mais nós lá é você só.