Dienstag, Dezember 29

Rotina: abrir as janelas, as árvores um pouco distantes, me distraio e faço as higienes matinais, abro um pouco os braços, passeio tímida por entre os cômodos, deito-me com mamãe, leio um pouco, café à mesa, a conversa arrasta as horas, as horas arrastam o dia, os dedos, as mãos, pés, o corpo um pouco preguiçoso. Aqui ainda nada se faz.

Donnerstag, Dezember 24

caminhadas,

Sinto frescor agora, e sei que é vento vindo de terras boas, que fazem bem ao coração. Sou invadida de água, úmida e fértil estou aqui no de dentro, ainda não sei bem nomear o que vivo, essa estranha sensação de estar viva no lodo, no lamaçal que tem sido a minha vida. Terra árida deixei para trás, agora preciso afundar meus pés nessa outra terra que se mostra (veja meu bem, brotos e raízes crescendo).

Para poucos, ora pois, desejo peregrinações e desalojamentos muitos, incômodos e nascimentos com as vacas  - que o medo não nos assalte e nos impeça a fazer,

Montag, Dezember 21

 .



- Você ainda está jejuando — perguntou o inspetor, — quando é que você vai parar?
- Desculpem-me todos — sussurrou o artista da fome, e apenas o inspetor, que aproximou o ouvido da grade, o entendia.
- Certo — disse o inspetor, e pôs um dedo na testa, para dar a entender ao pessoal o estado do artista da fome, — nós o desculpamnos.
- Na verdade, eu queria que vocês admirassem o meu jejum — disse o artista da fome.
- E nós o admiramos — disse o inspetor, condescendente.
- Mas vocês não devem admirá-lo — disse o artista da fome.
- Ora, então nós não o admiramos — disse o inspetor — e por que não devemos admirá-lo?
- Porque eu tenho que jejuar; não posso de outro jeito — disse o artista da fome.
- Ora vejam só — disse o inspetor — e por que você não pode de outro jeito?
- Porque eu — disse o artista da fome, levantando um pouco a cabecinha, e falou fazendo um bico com os lábios, como para dar um beijo, diretamente no ouvido do inspetor, para que nada se perdesse, — porque não pude encontrar a comida que eu gosto. Se eu a tivesse encontrado, pode crer, não teria feito nenhum estardalhaço e teria comido até me fartar, como você e todos os outros.

Essas foram as últimas palavras, mas ainda nos seus olhos quebrantados estava a convicção firma, porém não mais orgulhosa, de que continuava a jejuar.


Kafka - Um artista da fome.

E eu continuo a jejuar...

Essa coisa encarar-se,

As palavras fedem, empoeiradas que estão, habitam esquinas, denunciam falta de habilidade, falta de jeito, nulidades muitas até, mas persisto aqui, não posso deixá-las ao vento, não posso desgarrá-las, não permito, luto, esbravejo.
Um tema, é isso necessário, por deus, um algo que soe almas minhas. Sim, poderia lhes contar o meu ontem, como quando no banho, casa deserta, dei-me conta as solidões, aqueles horrores todos, os meus fantasmas ressurgindo das coisas bobas, minha infelicidade solitária essas frustrações. Assim é preciso para que tu vivas, não disse a poeta? Nesses vazios ocos mistérios e na tua ausência talvez me faça mais, eu que sempre desejei ser uma daquelas poeiras na vastidão do céu, perdida na imensidade porém estando com outras estrelas. Enfim, estava lá e corroía-me inteira, sem habitares, estando fundida ao oco, nada mais separava-me, eu era aquilo e não havia fuga. Quando experimento, conheço. Conheci e pensei - coisa bizarra essa. Tanto por vir, oxalá esses medos transformem-se. Lembrei do filme do Lars Von Trier, o ocorrido, o é daquela forma - não há fugas, meu bem, não basta conhecer, é estar de pé e de frente e suportar o pavor o gozo a morte a não-fuga a vontade de estar ausente sendo presente. Saí do banho aos prantos e derepente havia um espelho e no espelho havia uma imagem turva, contornos e eu aparecia e eu estava lá e eu de certa maneira não pertencia àquilo que via, era tão frágil não palpável tantas mentiras... Lembrei-me alguém: 'tenha força o bastante para encarar-se ao espelho e indagar-se a si'. Indaguei indagamos não é mesmo companheiras? Cheguei bem perto e olhei minhas pupilas retraídas um pouco maiores retraídas novamente, não aceitava aquela superfície toda que me cobria, não aceitava o longo dos dias, um dia é demais já por estar vivo, não é? Então porque me privas da eternidade e me mantém aqui, presa a um fio que sem sei nomear, presa a um sem-nome presa a lastros de existência um pouco vivida pacata inerte quase nada e muita raiva e muito pesar e de muita dor fez-se aquele diálogo, as vozes gritavam palavras soltas elas mandam eu deitar-me de vez em quando. O momento era aceitar o refletido, o que eu refletia - os meus olhos bem próximos negros mergulhei num vazio preto preto como o céu de fim-de-noite mas restrito ao corpo. O meu corpo ainda não habita o mundo.
Habitares, cantares, sopros, lágrimas, olhos nos olhos, corpo a corpo, tête-a-tête e saí pra dar um respiro na superfície. Coberta de lama, limpei um pouco o rosto,


Samstag, Dezember 19

oui oui.

Hoje letras fogem aos dedos, prometi, fiz pacto comigo mesmo - preciso continuar, minha garantia de sobrevivência. Queria te contar uma história digna, falar das minhas impressões cotidianas, minhas poucas filosofias, dedicar-lhe meus sóis de verão, mas você bem vê, manter-me viva é a maior tarefa que tenho agora. Necessidade de continuar, preciso pôr para fora verborragias vômitos engasgos (os centenas só das últimas semanas). Convivências poucas e leves me foram tão raras - sentia o abraço da pessoa.
Ontem fez ciúmes na outra fazendo-me carinho. Percebi egoísmo pensando - não, não faria por gratuidade, tem haver sempre ganhos relação troca pessoa-pessoa. Satisfaz carências carências de covardia na vida disfarças ser bem-resolvido, até pode achar fugir dos outros e assim fugir de você, mas a merda é que Camila percebe e disfarça - não conheço nada.

Sonntag, Dezember 13

zeladora.

Hoje, de perfil, vê seu rosto refletido nos olhos dos outros. Sente nojo do que se passa no de dentro de si e talvez no de dentro do outro. Sabe sim, sabe sina maldita essa que a acompanha quiçá tivesse pensado em um agrado em um desinteresse olhar descompromissado, derramar seu corpo sujo e pesado num abismo escuridão - já estivestes lá tantas vezes, o porco dos dias, porque não visitar novamente?
Não sei, de fato, pensar nessas loucuras que nos cobrem turvam o brilho opacidade, sempre gostastes de aparentar-se neutra, qualidades sobrepostas nas roupas tentando esconder o algo de divino o algo templo o algo coberto de tantas agonias, por deus, tantas cascas quinas encontros esconderijos entulhados abarrotados de coisas tem a sensação de que se furasse forte a barriga tudo espirraria, todo aquele líquido mórbido do caminhar dos dias, as suas sujeiras, o seu macado disse ordenou-lhe: por favor, manda-me enxotar todos os seus podres acumulados, todas essas pedras que faz questão de arrastar por cima de si, aposenta esses teus vícios, o passado precisa ser enterrado, querida, chore um pouco, faça um bem para si pelo menos uma vez, uma vez é preciso um a mais sei que estás exausta e não consegue dormir há dias como dormia antes, as coisas mudam, meu bem, provavelmente serás uma velha rabugenta se me deixares aqui empoeirando, peço que me dê aval de ação.
O senhor contou-me depois, olhando-me fixamente: o mundo não precisa habitar tão dolorosamente você. Sinta o leve do bater a água quebrar pedras ou jogue o mundo fora, se quiser posso ajudar-te nessa tarefa, posso apoio um tiquinho de água no deserto e só, o resto é com você, não posso interferir no seu mundo.
O meu mundo não é universo, é fechado, cercado ilusões essas que brincam e se fazem sérias derepente. Cubro-me de respiros esdrúxulos para evitar o sufocamento. Causa mortis - pensaste demais, meu bem, agora é seu corpo lá embaixo e vamos passear um pouco, conhecer o mundo sofrimento tantos desastres agonizos - mostras-te me o agonizo das pessoas do mundo naquele minuto. Um jovem gritou - pá. Um velho sorriu um pouco e foi fechando o olho devagar. Um senhor pediu socorro - encarava-se frente a frente consigo não tinha mais mulher nem filhos nenhum álibi - solidão de morte. Tantos piscavam, uns morriam vendo o céu, queria te amar muito agora, sabia? Gostaria eu mais forte menos frágil - acho que essas madrugadas têm me deixado um pouco zonza e fragilizada. Agora o inferno é estar enfrentar as fraquezas não tenho mais desculpas, acabaram-se todas, é fim de festa, não resta mais nada para ser no lado de fora, é juntar os restos e aproveitar as migalhas. Como é isso de construir paredes eu não sei, tantas coisas por saber, ignorâncias, os pecados por purgar, não sei de que deus eu falo, não sei dos meus afetos, meus amores, minhas paixões. Eu te sofri e enfiei nos buracos pregos redondos médios normais juntei um pedacinho de sua casa desabando. Tentei evitar suicídio de individualidade mas ela já começa a feder um pouco. De novo: passando com o rolocompressor eu lá embaixo tens medo de suicida mórbida de boutique ou pensas que isso é verdade? Nada sei do gozo do cotidiano, dos prazeres de massas, sempre em minhas costas o peso do rolo. Caminho um pouco, paro e deixo-me esmagar. Assim foi minha vida toda, interessante eu estar aqui cinco e quinze da manhã estar com você estar ausente sempre ausente há anos eu pergunto, trombo com pessoas algumas mais outras nada paro e rolocompressor fico estatelada, respiro um pouco e depois sigo caminhando, um pouco mais manca, devagar, descrente. Essa eufórica não sou eu eu não sou só desesperos e risos preciso de sensibilidade e aviões internos.
Meu nome quer dizer assistente de cerimônias religiosas.


Donnerstag, Dezember 10

Canção IX - um afago dedicado à mim mesma,


 rosângela rennó
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Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo

Pensando

Que se a mim não me deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.

E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata
Apenas tu, Dionísio, é que recusas

Ariana suspensa nas suas águas.

_____

à tumba.

Amém. Atrás de todos os deuses estou aqui e lhe imploro: saia de mim um pouco, não aguento mais essa afetação no meu peito, peço que me abandone, você sabe o que acontece comigo e com você, porisso peço novamente, deixe-me um pouco a sós, eu não suporto mais ver você e a minha fraqueza em dizer-lhe minhas boas novas meu medo em gritar o acontecido em mim esses tantos sentimentos que me povoam pés e cabeça e arrepios dor prazer por favor, esqueça-me um pouco, esquecer-me-ei olhares no espelho e a ti darei meu luto, dedicar-lhe-ei meus póstumos epitáfios plantarei capins emvolta de mim para poder pastar a vaca o boi e a galinha ciscar. Terás proximidades e o azul-claro do céu nunca entrará no meu caixão por ter quilos de terra sobre o meu corpo.

Mittwoch, Dezember 9

sacos e pães


                                                                    diane arbus

Os sacos de pão na cabeça inspiram-me agora algumas poucas fracas palavras talvez elas grudem um pouco sejam difíceis de limpar, está bem, lhes darei fôlego.
Justifiquei meu mal para um assassino - devolveu-me as pedras, ensinou-me a fingir um pouco, há, gargalhei e saí correndo. Cansada fiquei e recostei numa pedra cinza-chumbo fodida de linda fechei os olhos um pouco irritada estava queria moer as goelas daquelas tagarelas voz de sabão escorregadio e chato. Alguma coisa mudou - constatei. Queria ir pra casa, compreendi o que mamãe sempre me falou: fica quieta no canto pra não ter de engolir desaforo. Não tenho medo de desaforos mas é o cansaço mesmo, sabe? E a vontade imensa de escrever e embalar-te nos seios coragem para muitas outras coisas é preciso, coragem em relação ao outro. Agora escuto e uma ponta de inveja, desço e deito mais o corpo na pedra, cabeça nas nuvens, talvez num parto eu esteja mais presente, agora eu gesto mesmo uma outra de mim um pouco mais ausente mais sóbria mais silenciosa mais solidão menos necessidade dos outros. Necessidade do outro mesmo. E medo. Medo de me machucar. Mas porque não machucar-me inteira, descer barrancos, negar-te o nada habitar a frustração? Não preciso saco de pão na cabeça, agora posso gritar com você de rosto limpo, quero bater cuspir demorei tanto para isso tantas besteiras por deus...
Ei, você, inserido em mim um tanto para doer, quer?
doa-se também.


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Freitag, Dezember 4

Beuys - rei.



'Eu quero criar um palácio real. Não para glorificar os velhos reis, mas para dizer que todos os seres humanos são reis. A dignidade de cada pessoa reside no fato de estar viva. Eu não estou satisfeito com a interpretação simples e materialista da vida. Na nossa época materialista, os elementos do mistério e da alma foram destruídos (...) e é por isso que eu embarquei nesse conceito antropológico, para tentar fazer com que as pessoas conscientizem de que elas são uma grande forma de vida e a expressão de suas almas.'
Joseph Beuys - como poderia esquecer-me de ti?

Onlan



Orlan e a loucura que a envolve - tirastes meus rins para um foie gras úmido e suculento,


no corpo o poeta.

O poeta está lá jogado às traças, sombra de sua própria revelia. Espanca-se num gesto auto-indulgente achando espantar monstros internos bate forte na máquina não aguenta - acende outro cigarro - 'estapafúrdias tolas essas tenho de tricotar bem forte palavras trama dura e concisa para lacear poucos durar alguns bons anos.' Fez-se boba a visita que recebia de sua amiga/amante lhe disse em seguida: 'corroer memórias tudo bem meu querido o que eu te desejo na verdade é um dedo afunilado sabe essas tensões que nos jogam lá e cá e derepente mar fundo nem um pouco calma ela se esvai, não preciso não quero confiar nela mestre dos indesejados comidos ela ataca coração e cérebro minha vagina dói muito agora fui estuprada por você todos esses anos entraste na carne pele áspera nem gozar gozou só queria choro e arrependimento mas você se arrependeu de sentir prazer? Você e o prazer e o arrepender é isso poesia? Por favor me tire daqui, não suporto esse amoltoado palavras entrando feito flecha rasgos demonios rasgam gemo um pouco e paro - quem? Ruídos sinfonias poucas talvez ele rompa meu sucesso talvez seja um engano e você saia antes do amanhecer engano de anos inocente revés de vários partos arrumo o quarto da família que morreu - uma, duas, três inúmeras vezes.'
Ela disse: quero ser entendida preciso desse respiro teu - nada sofres menina, volta pra casa, lá é teu lugar. Menina teimosa que era, persistiu no erro - preciso fiar meu destino, parcas às favas o que acontece errado? Percome fantasias junto os avessos pontos dos lencóis o que você deseja? Fodes depois lava os lençóis até mais querida, não me leve a mal... Criar pontes no vácuo espero que esteja lendo essa porra desse tratado vazio sobre fazer a travessia do nada, vês que insisto na travessia? Como é isso de sentir buracos no estômago morrer dos dias cotidiano e desgaste.
Estou indo para o outro lado, não me esperes, olhe um pouco mas depois abaixe a cabeça, não tem de quê rapaz agradeço a ti também, não leve-me mal é necessário, não mais essa palpitação e faca na garganta entalada, preciso expulsar as gentes que existem nessas minhas inúmeras dobras tantos me habitam, por favor, deixe meu barco ir na direção de, rompa esse nó no cais, desobrigada estou dessas tuas exigências, não, não, por favor, isso é compulsivo eu sei obcessivo nós somos porém estou farta dessa escrita elegante e exigente estou no raso ainda vejo alguns peixes bonitos mais lá no fundo preciso ir buscá-los, ter com eles um segredo. Ampara-me, empurra-me, preserve-me da morte d'alma mate meu corpo se quiser, prisão doentia essa quero viver em ti co-existir conhecer-te. Conhecer saber o corpo do poeta amante poesia é sexo prazer pêlos na boca também?



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Donnerstag, Dezember 3

ao objeto amado,

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talvez seja bem verdade e aceito isso de separacao eu e ti - és-se, sou-te, tu me és.


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prefiro virgulas a pontos de fim. Nåo posso querer dar fim a algo que é decisåo da vida.
respeito e aceito - chega maos nos bracos, clarice pediu em seu evangelho nåo solta minha mao. Agora é a hora de saber andar sem muletas, experimentar o nücleo. és um dos mais amados, ressoa ainda voz risadas e olhar amor sincero. Me amas silencio eu te amo escuro fé menos bem menos desespero. Visitando agora os seus quartos na minha memoria, esvaziando-os, reservo um lugar especial para voce, o resto jogarei fora preciso relacionar-me outras pessoas. Despedida nao, aceno, tchau vou para uma grande travessia






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