Sentada na noite de uma dor que nunca passa, eu fito o para-além-de: sinto o engasgo do minuto seguinte, o desespero do corpo caído e do não-lugar desse corpo no mundo conhecido. Doa-se à mim o estranhamento e derepente nem sei o que fazer com os vultos acumulados e o não-institucionalizado, o não-experimentado. Sinto que foi irresponsável essa última vez mas agora o estrago já foi feito, e disso nem tenho certezas agora. E minhas malas estão feitas, os papéis meticulosamente organizados e os livros na bolsa porém ainda há compromissos, obrigações matando-me aos poucos - ainda morro nas próximas duas semanas. E se desfaleço, caio dentro desse buraco velho conhecido antes adormecido agora revivido, é porque dentro de mim criei começo, náusea, verdade, peso, carne esfolada ao sangue, dependência de uma vida sã devidamente adequada devidamente enquadrada aos entendimentos desses aí - os que se dizem. E se permito-me falar aos meus é por uma causa, necessidade pulsante sem outra maneira de ser. Tempo demais já se passou e permanci muda e calada ao sol, ao vento, chuva e tempestades passageiras mas contínuas, bocas que abrem e fecham mas nada falam a não ser da superfície dos dias e de como é delicado, solene tratar desses assusntos, oh por deus! livrai-me dos atoleimados mergulhados na própria ignorância. Novamente, se falo é porque ao menos toquei no meu ouro-velho e fugi - não tive ainda coragem de enfrentá-lo cara limpa. E digo aqui o momento da queda, imediatamente anterior ao da fuga. Rostos e gentes e entes de todas as espécies encarando-me e eu tendo de enfrentá-los por não haver escape. Forte tive de fazer-me, mesmo envolta na fraqueza de abrir os olhos, desviando-os, assim, do de dentro. E sobreposições e medos e quedas e covardias e desgostos e assassinatos em potencial e mortes em potencial e a sua própria morte num segundo só vieram e dispersaram no momento seguinte. E descobri não saber viver esses momentos, ser distraída e relapsa - tanto falar mas nem da superfície ser capaz de sair. E aos poucos fui saindo mesmo sabendo não ter vivido aquilo até o esgotamento - e quem sabe viver no esgotamento não seja um pulo à loucura? Sei de quase nada, muito pouco, mas o que sinto agora é um profundo desfacelamento e necessidade de construção, rever os alicerces. E compreendo agora quando falam uns poucos sobre ser visitado pelo estranho e de lá nunca retornar - o quão perigoso é esse toque que dei. E compreendo o desmoronamento que fizeste do seu quarto-estética para seu quarto-verdade, aonde as coisas podem ter razão de; acontecem. Conheço dois que se valeram disso. Do mais próximo agora compreendo a dor, compartilhando-a. Abrir uma fresta e querer permanecer o mesmo é pedido de morte. Morte de cruz, anti-sabedoria do mundo, revés do nascimento é acolher o que me destroi para poder transformar. E se nem sei o que me faz menos é porque ainda há muito inconsciente mas estranha força surgiu em meio a esse processo e me disse: você tem que ir lá e virar a chave. E sinto agora que posso ir lá e virar a chave, porque carrego um segredo de experiência, de toque do meu ouro. Antes de edificar, desconstruir o resto, quase não ser. Essa é a tarefa.
UOL, Entrevista Roberto Romano
vor 8 Jahren